segunda-feira, 1 de novembro de 2010

QUINTETO PARA PIANO.

- É Schumann, disse M. - Clara sorriu sem olhar para M. que parecia espiá-la através dos seus óculos. Como seria bom uma taça de vinho agora, pensou Clara. O violoncelo incisivo iniciou os primeiros compassos e o piano deslizou em escalas arrebatadoras.

- Schumann, sibilou M. – e sua voz parecia uma pedra enxuta.

Azul. Um feixe de luz escapou do lustre do teatro e vazou na escuridão mansa; uma mão macia deslizava como seda no seu corpo e amaciava a sua pele rude e seca – mas ela não pensou em nada; pensou em prazer, em um abraço; azul transbordando do limite do campo vazio que se estendia quase morto – uma ficção; mordeu os lábios e sentiu o gosto de sangue, mas não é sangue mesmo que se derrama através das lágrimas dos sonhos doidos? uma vez sonhei com uma multidão de loucos que atravessavam a praça central da cidade – todos seguravam consigo uma bandeira vermelha; esta simbolizava o sangue que é meu grito mudo de vida e morte; as cabeças desvairadas luziam repicadas na luz do pôr-do-sol – essa multidão que não dorme, insone, que espia, marchava rumo aos que se calaram porque perderam a voz – ou por que esqueceram que neles haviam a voz? Mas um buraco se abriu no meio do caminho e a multidão toda de repente já não existia mais – antes, gritavam e seus gritos retumbavam nos corredores de sombras intumescidos pela imobilidade daqueles que dormem na noite profunda; sem a esperança – rasgaram-se as bandeiras erguidas no mastro do reino sem rei, ouve-se somente a voz profunda e rouca pulsar arritimicamente confundindo-se aos passos sem pés na estrada de terra de estrangeiros? o que sou afinal, meu Deus, preciso contar baixinho o dia em que chorei – gritei coisas e as palavras escaparam de meus lábios: cév parece com céu e fecho os olhos porque tenho medo da loucura e suas paixões – amanhã é Dia de Finados meu Deus e o que sei de mim?, deixo uma rosa branca ao pé de minha lápide e escrevo “nunca” por que o nunca é tudo – mas eu preciso de Piedade meu Deus que haja a paz que haja a luta que haja a glória em nome daqueles que não possuem nome que haja a justiça em nome do silêncio para que eu possa me ser em paz mas o que me sou eu nunca fui pois nunca serei de mim o que deveria ser isto é amor Deus meu já não sei a pergunta pois a interrogação pode ser meu fim e eu não sei como morrer por favor me ensinem a morrer assim como esse piano entra em pausa assim como a cortina do palco se fecha eu preciso saber como se morre para poder viver em paz mas como viver em paz se não passo apenas de um ruído entre tantos outros ruídos dissonantes que se perdem em ecos dispersos nas águas foscas de um mar mosaico e salgado é isso Deus talvez eu precise de uma chave talvez eu precise

- Clara?; Uma taça de vinho se espedaçara no chão... o vinho esparramado ao chão enquanto o quinteto ainda tocava os últimos acordes...

- Vamos embora?

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