domingo, 26 de dezembro de 2010

Azul-Amarelo.

A tarde caiu e a hora ficou nua, o Sol obedece seu ritmo meu bem, ele disse porque ela baixara os olhos de uma maneira tão triste, parecia um pássaro ferido... e foi assim: o azul pingou no mais branco pálido do céu até que se esparramou entre as veredas do silêncio; apareceram os primeiros vaga-lumes, é a vida meu bem, ele repetia porque os cachos do cabelo dela ondularam, estou mais é cansada, disse ela finalmente porque ele exigia uma resposta,
ela olhou para o céu; rósea-vítreo no côncavo de seu corpo - tudo pareceu desabar no azul-amarelo o crepúsculo... até que ela adormeceu...

Sim.

Para Jéssica L.A.

A água é fria, apago a luz, abro a cortina e a lua sorri – Vem, diz uma voz... não sei, sinto um frio e um calor - o coração célere e selvagem; um urro, uma chama apenas restando no final da canção – a palavra solta na língua e de repente um céu de borboletas brancas e macias se espargem na calidez do silêncio – as estrelas são de cristal, um grito ecoa por toda a parte, Ah!, grita um pássaro, eu abro meu corpo e me renasço inteiriço e te digo

- É NATAL.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Natal.

Ontem me faltava a voz.
Hoje me falta a poesia.
Amanhã me faltará a vida.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ode Elegíaca Para Um Ponteio Saudosístico Em Dó Menor Quase Em Prosa Quase Em Versos. [para duas vozes solitárias]

Alô companheiro! Alô, diz

a voz,

eu não sei sorrir;

fecham-se as cortinas do palco e

fico mudo entre os atos

que precedem o próximo gesto

o instante futuro que passa é passado

vazio e mudo

entre notas ásperas de um piano desafinado que

desatina nas mágoas ponteadas das minhas

feridas rasgadas

violentadas, minha voz

esmorecida

se perdeu em algum canto

minhas palavras empobrecidas

deixei no meu canto

mudo pranto

foi-se companheiro

as terras vazias,

eu grito

G-R-I-TO:

AI DE MIM O QUE SOU DE MIM? SOU O QUE NÃO SABE O QUE SE PODERIA

VERBO TO-BE

CLAMA-SE POR ÁGUA E FOGO

O que sei eu disso?

olho através da janela

através da janela olho

a pedra, o nunca, o tudo,

você me diz:

És.

Eu sou?

Tu me foges!

Isso eu chamo de silêncio;

desligo o telefone, vou até o regato e fico apenas olhando

apenas olhando fica o regato a olhar-me

nunca fui a igreja

eu não sei como se reza o pai nosso,

Ave Verum Corpus

eu nunca vi Deus

deusinho deusinho

Vinde a mim porque humanizo-te e choro

as pragas vil dos milagres que eu nunca recebi;

sou pobre, meu cash está no zero,

nunca matei alguém

mas já chorei no dia de todos os Santos;

ontem,

preciso te relatar,

foi dia de Finados – soltem as pombas!!!

A PAZ ESTÁ MORTA!

MORTA???

DEUS, CLAMO TEU NOME E TUA VOZ ME CAI COMO UM RAIO!

AS TROMBETAS DO CÉU

ecoam,

ontem foi dia de Finados e por isso mesmo escrevo está ode

pois eu

humanizado

esqueço o que é morte:

será a morte um grande Nada?

DEUS TU ÉS O NADA?

O TUDO E O NADA.

Integrai-me

pois não sei como morrer.

Ontem foi dia de Finados e

finei os meus sonhos perdidos

antigos e vastos;

vasto vasto mundo

que tanto chorei sem deslumbrar

a vitória daqueles que emudecram

edificai – Senhor – edificai

UM DIA MORRE-SE

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

Na janela do meu quarto

eu vejo da janela do meu quarto

o tempo e o vento

que se carregam nos rostos anônimos que tomam

Coca-Cola e comem chocolate no grande vazio

da praça;

mas eu vejo uma multidão que se levanta

das sombras que se repousam no pôr-do-sol;

gritadas a multidão palavras mutilam o sol que se esconde

entre as montanhas

equidistantes estúpidas e silenciosas

remotas saudosas...

queimam-se as cruzes dos meus sonhos

em desalento

gritam-se:

LEVANTEM A BANDEIRA NO MASTRO – MAS O GRITO É SEM GLÓRIA,

IMPÁVIDO

LÍVIDO COMO A COR DA SOLIDÃO

QUE SE PARTE EM MIL FLECHAS...

Povo

levantem suas lamparinas, bradei

e corri todos os montes

e todos os prados

e campos

os pássaros em bandos cruzaram o céu silencioso descortinados nos descampados

[e eu não vi, emudeço.

Partido o espelho em mil cacos perdi a minha face

irrefletida,

desmancharam as cores restos de faces minhas desmiradas multifacetadas se encontra

em escuros perdidos vazios escos gravíssimos

afino o desafinado silêncio dos finados

que se suspendem temerosos e trêmulos;

som da morte que soa

sincopado;

uma adaga peguei do seu cetro a cor rubra do sangue escarlate

que roubei a vida peregrina que das sombras que rondam meus sonhos

e desfiro um corte fundo

profundo

um suspiro

o sangue esguicha e vaza pela alucinação

desvairada

doida varrida

dos meus pulsos flamejantes

quero sofrer

quero me ser

quero sentir

o pulsar do MUNDO

como um TOLO

tingir a camisa de LODO

QUE A VIDA CAIA SOBRE MIM.

A multidão avançava em prantos

eu quero afinar esse mundo

numa canção sem palavras,

enquanto eu digo aqui da janela do meu quarto o âmago que me prende

e que me solta eu ganho asas e voo livre para os seus braços;

eu passava na rua ladrilhada por lantejoulas escarlates

(estrelas, meu bem, pareceram cair do céu para iluminar

o meu canto

mas me canto não existe...)

(minha melodia é um assobio sem ritmo e eu só sei cantar

através de um sopro

o primeiro e último suspiro

que atravessaram bilhões e bilhões anos-luz

quantas estrelas me espiam?)

e uma moça cantou assim preste a atenção:

“O surdo ouviu

o mudo dizer

que o cego viu

o aleijado correr”

Corre meu bem enquanto ainda é tempo!

corre enquanto ainda é primavera e o tempo é de morangos!

corre

prepara uma torta

receba os pássaros;

abra a tua janela para eu poder te ver

mais de perto.

Jamais eu poderei gritar o que

vi:

vede:

a luz!;

os olhos fartos eu fecho é preciso ouvir

um pouco o que se sopra entre a relva seca

e morta;

pensando eu estou muito em morte?

parafraseio o que sente no ritmo do peito

a víbora serpenteia meu corpo em espinhos

doce espinho

que me fere e me tange

eu não sei amar

nunca amei

serei uma dia amado?

esqueci o que sou do outro lado

dos meus sonhos;

apago a luz porque a luz me cansa

eu me canso de mim porque

eu não sei o que fazer.

Aleluia!

Abrem-se as porta:

eu sei que quero amar

gritar o meu cântico de amor

para aquilo que me ama!

quero morrer para saber que então

finalmente

poderei me integrar

à sua mágica de ser

quero perder a voz

frêmita

e sentir teu corpo nu

roçar sobre o meu

eu sou a terra

te respiro toda meu bem

uma garoa

fria e fina

pinga e respinga

no véu transparente

da janela

do meu quarto

quero ir até

a margem dos meus sonhos

e te roubar para andar comigo

de mãos dadas

e sermos um!

VENHA DEUS PORQUE EU SEI QUE TU ME ÉS

ENTÃO POSSO ME SER

FINALMENTE

PORQUE TE AMO.

Eu sei que a morte vem; vem? sim,

através das horas que se sucedem na ponta do ponteiro do relógio

há um estalo rude e seco:

a morte vem.

Vamos cantar em coro meu bem?

EU QUERO A VIDA AMAR-TE-EI SEMPRE SENTIR O TEU CORPO QUENTE

DE VIDA DE VIDA DE VIDA

SAUDOSO MORENO MOROSO

EU QUERO ABRAÇAR-TE

ROÇAR-TE

BEIJAR-TE

teus cabelos esvoaçam no campo

os lírios balouçam em nosso jardim;

vamos pegar o próximo bonde!

DEUS VINDE A MIM POIS CANTO A VIDA

A GLÓRIA DE SER-ME E DE TE AMAR

SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA

FAÇO O ANTIGO RITUAL TRIBUAL

ofereçam-se os sacrifícios!

UNIR-VOS

A SEDE ME CONSOME!

O que sou?

És o que jamais serás!

O que serei?

Serás o futuro!

O que é o futuro?

Invenção a mil vozes!

Paixão Segundo a Nossa Própria Morte!

Amem.

Amem.

(apaguem-se as velas,

vamos dormir em paz).

Dona Nobis Pacem.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

QUINTETO PARA PIANO.

- É Schumann, disse M. - Clara sorriu sem olhar para M. que parecia espiá-la através dos seus óculos. Como seria bom uma taça de vinho agora, pensou Clara. O violoncelo incisivo iniciou os primeiros compassos e o piano deslizou em escalas arrebatadoras.

- Schumann, sibilou M. – e sua voz parecia uma pedra enxuta.

Azul. Um feixe de luz escapou do lustre do teatro e vazou na escuridão mansa; uma mão macia deslizava como seda no seu corpo e amaciava a sua pele rude e seca – mas ela não pensou em nada; pensou em prazer, em um abraço; azul transbordando do limite do campo vazio que se estendia quase morto – uma ficção; mordeu os lábios e sentiu o gosto de sangue, mas não é sangue mesmo que se derrama através das lágrimas dos sonhos doidos? uma vez sonhei com uma multidão de loucos que atravessavam a praça central da cidade – todos seguravam consigo uma bandeira vermelha; esta simbolizava o sangue que é meu grito mudo de vida e morte; as cabeças desvairadas luziam repicadas na luz do pôr-do-sol – essa multidão que não dorme, insone, que espia, marchava rumo aos que se calaram porque perderam a voz – ou por que esqueceram que neles haviam a voz? Mas um buraco se abriu no meio do caminho e a multidão toda de repente já não existia mais – antes, gritavam e seus gritos retumbavam nos corredores de sombras intumescidos pela imobilidade daqueles que dormem na noite profunda; sem a esperança – rasgaram-se as bandeiras erguidas no mastro do reino sem rei, ouve-se somente a voz profunda e rouca pulsar arritimicamente confundindo-se aos passos sem pés na estrada de terra de estrangeiros? o que sou afinal, meu Deus, preciso contar baixinho o dia em que chorei – gritei coisas e as palavras escaparam de meus lábios: cév parece com céu e fecho os olhos porque tenho medo da loucura e suas paixões – amanhã é Dia de Finados meu Deus e o que sei de mim?, deixo uma rosa branca ao pé de minha lápide e escrevo “nunca” por que o nunca é tudo – mas eu preciso de Piedade meu Deus que haja a paz que haja a luta que haja a glória em nome daqueles que não possuem nome que haja a justiça em nome do silêncio para que eu possa me ser em paz mas o que me sou eu nunca fui pois nunca serei de mim o que deveria ser isto é amor Deus meu já não sei a pergunta pois a interrogação pode ser meu fim e eu não sei como morrer por favor me ensinem a morrer assim como esse piano entra em pausa assim como a cortina do palco se fecha eu preciso saber como se morre para poder viver em paz mas como viver em paz se não passo apenas de um ruído entre tantos outros ruídos dissonantes que se perdem em ecos dispersos nas águas foscas de um mar mosaico e salgado é isso Deus talvez eu precise de uma chave talvez eu precise

- Clara?; Uma taça de vinho se espedaçara no chão... o vinho esparramado ao chão enquanto o quinteto ainda tocava os últimos acordes...

- Vamos embora?

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Abel.

P.S.: Esse conto eu fiz para um trabalho de escola, no ano passado. Não está muito bom, mas eu encontrei-o perdido em minhas coisas. Resolvi postar.


Por que a noite era difícil? As estrelas impossíveis, a lua era um pálido fantasma boiando silenciosa na noite fria e escura. E ele também era quieto e escuro. Porque a noite era grande demais e a ele só havia apenas duas pequenas mãos e dois pés calejados. Então: a noite imensa enquanto o próximo dia era distante e irrealizável. Impossível quanto a um pensamento não estabelecido – as imagens distantes ofuscando os fatos. A solidão. Talvez se houvesse música, talvez se houvesse uma voz apaziguadora para seus pesadelos...
... mas as horas vagas. Enquanto que o outro dia seria sempre o mesmo, com o mesmo furor e brutalidade, da frieza de um Deus imponderável que sobre um mundo inteiro Ele pisa. Vai morrendo lentamente, como uma nota aguda do piano em sucessão. Folhas secas e cinzentas forrando o chão. Ele era um morto. Pois de si haviam violado com sete golpes seus sete misteriosos segredos ao gume de palavras frias e cortantes. Pois ele era feito de sete gloriosos segredos – Antigo Testamento, portões de ferro e ouro a sete chaves – o mistério fala mais alto que a claridade. Mas o que era de si afinal?
Olhou-se no espelho, o cabelo úmido escorrendo pela face. Os olhos. Os olhos endurecidos. E inutilmente tentou buscar dentro de si as respostas para do que era feita sua matéria.
Lembrou-se da escola, de suas salas espaçosas e frias. Dos corredores compridos e embaçados. E dela, o golpe fatal de uma seta pontuda desferindo o centro do peito. Não fora na aula de gramática ou de literatura que descobrira que a palavra era perigosa como a ponta mortal de uma lança. E tinha ódio e medo da palavra, como se nesta sempre houvesse o perigo maior de perder-se em suas verdades e suas mentiras, e nela lentamente agonizar lucidamente pelo que ela é. Como se com sede tomasse um copo fulminante de veneno e dela curtisse através dos lentos segundos o sofrimento. Ou como o soar de um tambor arrítmico que logo se transforma em eco. Longínquo e assustador, como quando antigas tribos anunciavam o ataque ao inimigo através de seus tambores. Ele já era um iniciado para as lutas sem glória. Ele que descobrira no limiar da dor o poder das palavras nos corredores das escolas, em becos sujos das ruas, nas salas de aula, no pátio do colégio. Então, por piedade de si, por misericórdia, já não escrevia mais. Por ódio e por rancor também. Nem quando a lua o vigiava, nem quando o sol lhe aquecia. Assim como os outros que lhe cercavam e tinham-lhe o mesmo ódio sincero pelo qual cuspiam-lhe na cara as palavras-facas. Até que um dia, cansado, recolheu o que ainda lhe restava de si. E com a ponta dos dedos, através das linhas imaginárias que lhe restavam foi cosendo seus retalhos. Até que o que lhe restara fora a solidão.
No pátio da escola, o coração esfria quase sem sangue. O vazio. As árvores murmurando pela primeira brisa da manhã. Caminhava na ponta dos pés – mas seus passos... seus passos. Confundindo-se com o silêncio de fantasmas que dormem nas sombras de seus pesadelos. Então parou de repente assustado consigo mesmo. Pois não sabia qual era o limite daquela paz feita de um ódio calmo e sereno. Feito de ruídos de seus passos. Como se estes anunciassem o prenúncio de um novo ato da tragédia. Então se imobilizara fragilmente diante do seu próprio medo. Evitou mover-se – mas de uma árvore um pássaro cantava rudemente. Evitou seus próprios ruídos – mas do coração palpitante lateja uma música estranha, selvagem, abrindo e fechando avidamente, como se tivesse fome. Fome antiga há muito tempo não sentida – seria de vida? Uma vida que nunca possuiu; macerada pela pobreza de si mesmo diante do mundo? Mas quem era pobre afinal: o mundo em sua grandeza ou ele reduzido a sua pobreza? Mas de repente seu coração imobilizara-se. Bruscamente ele caíra para dentro de si, em suas cavernas úmidas e intumescidas pelo desespero. Os passos vinham de longe e aceleradamente. Passos que não eram seus mas que ele, com pavor, reconhecia-os na fragrância de seu medo. Ele, que desistira de ser um gênero, fugindo sempre da escuridão demoníaca da noite fria – mas é que o sol não amanhecia e então aprendera como um cego a atravessar seus dias em grandes noites. Enquanto ele adivinhava que pés apressados aproximavam-se, pés ocos que crepitavam como fogo no oco silêncio. E ele não se movia, pois a sua maior coragem era a covardia. Ele não fugia, pois ele submetia-se ao seu medo como um cão disciplinado. O que fez foi apenas sentar-se sem amparo ao chão cinzento, pois facilmente ele se entregava. Cansado. De quem desiste da luta. E não soube distinguir seus pensamentos dos passos que agora estavam próximos, próximos...
O que se sucedeu então foram mãos fortes e decididas que agarravam-no com segurança. Ele virou o rosto porque não permitiria entregar-se ao medo – o hábito faz com que a gente perca o medo das coisas. E com apenas um murro ele encontrara-se deitado ao chão, o sangue escorrendo da boca – como Abel na hora da morte, não se deleitou de seu próprio sangue, não sofrera por sua própria morte: como o muro de Israel ele assistia a queda lenta dos sete portões que o cercavam em um efeito dominó. O cerco caindo, enquanto que Caim assistia sem arrependimento o mistério da vida cruamente escorrendo-lhe na ponta de seus dedos. Desferindo-o com um golpe pelo gume brilhante das sete profecias dos anjos do Senhor. Ele aceitava submisso, silenciosamente, sem gritar porque já não lhe havia forças. Ou porque a ele só lhe restava aceitar humildemente o que lhe era entregue. A vida era assim pois. Enquanto que o Caim sorria o riso brilhante e malicioso de quem toca no sangue precioso – no segredo. Até que lentamente o sangue definha – e seu riso torna-se menos cruel, mas sim feito de malícia. Pois eu bebo de teu sangue, pois eu vivo de tua pobreza. Pois amanhã, não do tenro pescoço, mas de minhas doces palavras eu me saciarei de sua covardia. Até que as vozes sumiram.
Voltou o rosto para o corredor vazio. As salas de aulas fechadas e silenciosas. O murmúrio de uma cidade que se desperta ao lado de fora. Levantou-se do chão lentamente. Pegou seus cadernos do chão. Apoiou o braço no próprio corpo, como a asa de um pássaro ferido. No piso transparente da escola, viu refletido seu sangue, escorrendo no canto da boca, formando uma pequena poça vermelha, vivíssima. Aquele sangue que já não era mais seu. Não o reconhecera. Tentou não pensar pois mais do que o não reconhecimento era de repente não existir. Não sentiu o corpo e pensou por um átimo de segundo que sua existência era feita de um sonho que se confundia com uma realidade que não era sua. Foi ao banheiro para encontrar paz.
Sentou-se no ladrilho e, abraçando os joelhos, não pensou. Mas recolheu-se para dentro de si. Como uma estátua, seus olhos esgazearam-se cegos, um pouco tristes. Ficou imóvel por alguns minutos. Até que ergueu lentamente o rosto para o espelho. E viu o rosto fundo, fendido por marcas e cicatrizes. Mas os olhos. Notou uma marca cruelmente vermelha. Lembrou-se que uma vez disseram-lhe que quando uma coruja se machuca, na íris de seus olhos uma marca aparece e, conforme ela vai se curando, essa mesma marca cristaliza-se como uma cicatriz. “Estou ferido”, pensou. Queria saber quem o odiava tanto para massacrá-lo todos os dias. Pensou em Deus e então cuspiu cheio de mágoa. Não precisava de Deus e nem da piedade alheia. Olhou os olhos fundos. O gosto do sangue subiu-lhe na boca. E do furor de suas cinzas, sentiu-se como o próprio Caim.

(15/11/09)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quasi una Elegie...

Há em cada gesto, em cada movimento;

há em cada olhar, em cada abraço;

nas palavras lançadas ao vento,

na carícia sem afago,

uma espécie de tragédia...

As grandes tragédias não são feitas em

grandes atos...

O drama se encontra,

muitas vezes,

apenas no seu olhar

desavisado,

que não encontra o meu...

domingo, 12 de setembro de 2010

Juro que não sei...

Tenho, com certa freqüência, esquecido de regar as plantas.

Tenho,

também,

esquecido de responder os recados da minha caixa postal.

Não abri uma carta –

só vi no verso do envelope umas letras miúdas...

Não abro mais a porta;

nunca deixo as pombas ciscarem em meu quintal...

Tirei o telefone do gancho e

não reguei as rosas do meu jardim.

Quando saí de casa,

saí de fininho – na ponta dos pés.

E no caminho – de algum lugar –

Eu esmigalhava com meus pés uma imensidão de coisas ignoradas,

folhas mortas que caíram do céu e que aveludaram meu caminho...

não quis fazer barulho,

assustar os transeuntes,

mas acho que me enganei mais uma vez,

com a esperança de que,

como as folhas secas de outono,

o vento carregasse cada lágrima que ia eu deixando pra trás

formando atrás de mim um rastro prateado

de poeira e solidão...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cidade de Papel.

Talvez, se eu soprasse do alto da torre, tudo se desfaleceria como uma lágrima...
Pois nem mesmo uma sombra se deitava sobre as praças, sobre os altos prédios, sobre as pessoas... nada encobria o movimento - mas da solidão eu só pude pressentir. As pessoas não estão vivas nem mortas: são sonâmbulos. As noites, assim como os dias, são brancos. Nenhum pássaro voa no céu - mas neste mesmo céu azul é que passei meus momentos de terrores, onde por momentos eu achei que fosse cair para a transparência impávida desses dias quentes. Para onde eu ia abismar?, eu perguntava. Mas eu acho que não soube adivinhar a resposta.
Se Brasília fosse um pássaro, seria manso. Prenderia-a em minhas mãos e então libertaria a sua força delicada.
Uma corsa.
Ou um cavalo ameno. Encosto minha cabeça em seu tenro pescoço e no entanto sinto o pulsar célere de seu sangue.
Brasília.
Eu pisaria em sua mornidão, em sua fragilidade. Assim como eu embalaria em meu colo para preservar o sonambulismo que te consome. Essa noite sem fim onde a ave de ferro procria seu pássaro negro, prestes a lançar sua rajada. Brasília é uma ameaça: algo está prestes a explodir em convulsões vulcânicas.
Ou isso tudo é apenas eu?
Pois eu espiei o rosto de uma pessoa de Brasília. Quis adivinhar seus segredos - seus passados. Também quis encontrar Deus. Abri meus braços no alto da torre, mas o que vi foi apenas a minha sombra estendida no chão.
Deixo em Brasília uma lembrança: a saudade do meu antigo ódio, o amor pela vingança...
... só me resta o desejo de paz.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Réquiem.

Isto que eu Te escrever é rápido. Tão rápido quanto uma piscada de olhos.
Vai pingando no silêncio das minhas palavras as notas soltas do meu grito. Porque eu escrevo gotas de silêncio que pinga pinga pinga pinga...
O que eu Te escrevo neste instante é apenas um gesto despercebido. Um adeus. O trem mergulhando na madrugada de orvalho. É Bach em si menor. Paixão Segundo São Mateus.
O sofrimento não é carne, é o ser. Eu que não sei me ser. Crucifixus.
Os pombos estão morrendo de fome, Irmão, dai comida aos pombos!
Esmigalhei com a minha mão uma rosa e suas pétalas maceradas eu as guardei em meu peito. E no momento em que não vi - elas se foram. Fechem as portas e as janelas! Badalem os sinos da igreja, decretem luto nacional: A Rosa morreu!
... os pombos morrem de fome...
É isto o que Te escrevo: o badalar dos sinos.
Pausa.

O que Te escrevo, neste momento em que Me lês, dissolve-se na solidão.

domingo, 25 de julho de 2010

Domingo.

Esse domingo está alto, grande, redondo. É noite - e através do vitral da cúpula desse silêncio eu vejo a lua tão mais branca quanto esse domingo atravessando a maresia das horas que se afloram roxas em seus vasos.
Eu não acredito em santos, não Senhor.
Um órgão me dá cores neutras - enquanto um véu esmaecido vai me cobrindo de corpo inteiro.
Não chove.
Mas Algo me cobre com o Teu Sangue.

Amém.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Bilhete

Para Cássio Lopes Machado.

Eu gostaria de dizer algumas palavras, escrever canções, te falar coisas... talvez rabiscar um coração; deixar debaixo da sua porta uma carta – a minha caligrafia incerta escorrendo no papel em palavras desavisadas sobre suspiros e espantos. Recolher uma estrela do céu e plantá-la ao meu peito, e então chamá-la pelo seu nome.

Eu queria tanto encostar meu coração ao seu num abraço apertado; segurar um suspiro em meus lábios para soprá-lo de leve aos seus ouvidos para dizer: és tu.

Eu que junto todas as pétalas das flores que você me deixa no caminho – só para colher o aroma da sua lembrança. Por que estas palavras tão precipitadas?

É que quando a noite vem, carregando consigo a escuridão, você me recolhe em seu braço e vai me dizendo coisas e coisas e coisas... coisas que é difícil transmitir em palavras... por isso, fecho meus olhos e prendo você aos meus sonhos, no meu coração desassossegado... você assopra a flama do dia enquanto me vigia à noite... mas eu quero mais um abraço, só para recolher o seu calor,

enquanto vou desenhando sua imagem nestas palavras,

que quero deixar debaixo da sua janela.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Da Música.

Para a música, nada se perde nem se cria mas tudo se transforma. Eu sei disso. Pois as cinzas de minhas lágrimas deslizam até as minhas mãos em suaves apergios; a harmonia da música vai eriçando lentamente meus nervos, envolvendo meu corpo, e minha dor vai ficando nostálgica, desfragmentada como uma melodia sincopada, o coração pulsando arritimicamente... até restar em meu peito a mais tenra alegria.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Prêmio Dardos & Prêmio Sunshine

Hoje eu fiquei muito feliz quando abri meu blog e vi, no comentário do meu último post, a indicação dos selos - e como eu poderia agradecer a minha Jéssica pelo reconhecimento? A gratidão é tão grande que eu me sufoco entre as palavras, a emoção e a saudade... tudo se confluindo no mesmo rio... Muito obrigado mesmo Jéh, e você não sabe o quando estes selos me fizeram bem! =]

Eis aqui os selos:





Antes, vou colocar uns itens:

Prêmio Dardos
1. Colocar a imagem do selo no blog; 2. Linkar o blog que nos indicou; 3. Indicar mais 5, 10, 15 ou 30 blogs ao prêmio; 4. Comentar no blog dos indicados sobre essa postagem.
Selo Sunshine
1. Linkar o blog que te premiou. 2. Falar das regrinhas. 3. E indicar os próximos ganhadores.

Bem, infelizmente eu não tenho muito blogs que eu possa indicar... =/ Por enquanto, eu só posso indicar um:

Pela sua incrível sensibilidade, fazendo com que a cada momento que eu leia um dos seus aforismos ou poemas, eu me transporte para um mundo mágico, quase doce, quase melâncólico... como a infância que eu nunca tive. Como a asa macia de um passarinho... a Priscila merece esse prêmio! =]

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