quinta-feira, 28 de julho de 2011

Eu quero zombar do Tempo.

(Para o Gustavo Barros)


“Tempo disso, tempo daquilo; falta

o tempo de nada.”

(Carlos Drumonnd De Andrade)


“Só me sinto bem em

liberdade,

fugindo dos objetos,

fugindo de mim mesmo...”

(J.P. Sartre)


Eu percebi que os livros são inúteis. E que não adianta nada pesquisar sobre isso. Às vezes a gente tem que inventar as coisas, mesmo que essa invenção seja uma mentira. E mesmo que essa mentira, quando lida, se torne verdade. Não importa. O importante é exorcizar aquilo que nos pesa. Aquilo que nos prende.

Aliás, acho que tenho um pouco de artista em mim. Logo, não me preocupo em dizer a verdade. Artista é aquela pessoa que adivinha do ar e simplesmente sabe. “Como é que sei? Sabendo. Artistas sabem de coisas” (Clarice Lispector). Não poderia ser mais simples? Se você que me lê neste instante, é porque até agora está tendo a coragem de depositar em mim alguma fé de que isso lhe traga alguma coisa de útil. Você irá perder Tempo. Mas vale lembrar que tempo é uma mentira. Não se assuste: porque é sobre o Tempo que quero falar.

O Tempo é uma mentira. O Tempo não existe. Eu nasci tão nu que nem sabia o que era Tempo. Hoje eu sei o que é o Tempo. Só não me pergunte o que ele é. Santo Agostinho (354-430 d.C) quando perguntado o que era Tempo, respondeu: “Se ninguém me perguntar, eu sei. Mas, se eu quiser explicar a alguém, eu não sei.” E percebi que a ignorância é fascinante.

Só pra dizer que eu pesquisei alguma coisa, em um site qualquer eu encontrei o significado de Tempo. A palavra Tempo tem origem no latim. Ela é derivada de tempus e temporis, que significam a divisão da duração em instante, segundo, minuto, hora, dia, mês, ano, etc. Isso só vem provar que Tempo é uma coisa tão falsa que me escandaliza.

Tempo não é coisa de Deus. A própria Teologia Medieval dizia que Deus é atemporal. Ora, na Bíblia, há uma coisa interessante. “E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” (Gênesis 1:26) Logo, se Deus é atemporal, e se somos a sua imagem e semelhança, então fomos feitos para vivermos nessa atemporalidade. Você, cristão, que me lê agora, não me leve a mal. Eu nem acredito no mesmo Deus que você acredita. E não me venha chamar de pagão!

Spinoza diria: Tudo é um. Ah, como eu amo Spinoza. Deus nos É (mas isso não quer dizer nós sejamos Deus!) – haveria limites para um Deus que se faz presente diante de todas as coisas? Nós morremos e renascemos nesta mesma Terra – tudo é uma única substância, tudo respira de uma única boca – andamos de mãos dadas – e o Tempo é uma invenção para dizer que tudo isso também é uma mentira.

O Tempo no qual pensamos acreditar se trata de um Tempo desmoralizante. Esse Tempo que adora jogar na cara que você vai morrer. E talvez nunca mais volte. Eu aposto que esse Tempo rende muitos lucros. Tempo é uma questão de Marketing. Aproveite o hoje, pois o Tempo é curto. É a mesma coisa que dizer: sacrifique tua vida em prol de outra coisa que não você mesmo. Pois o fim está ai. O Tempo é uma hipocrisia. Os covardes amam o Tempo. Apocalipse Segundo São João é um manifesto dos covardes. Pois a ameaça maior não é a Ira de Deus – mas é o fim do Tempo em si. Os covardes abdicam então sua vida para o Tempo. Parecem virgens. Com suas bocas inúteis. Mas o Tempo foi tão bem elaborado que eu até diria que foi feito por grandes artistas.

Mas é que Deus é atemporal, como eu já disse. Este Tempo aqui, do lado de fora, onde tudo envelhece, desgasta e “morre” é muito material. Mas há esse Tempo sem tempo que eu não quero chamá-lo de Tempo. Chamá-lo-ia de Tempo por formalidade, apenas. Eu me visto de branco e digo meu amor a Deus. Então não acredito nesse Tempo Materialista. Creio que para Tempo não há espaço. Para Deus não há espaço. Para a Arte não há espaço.

Quem é artista sabe muito bem do que falo. Digo novamente: artista sabe das coisas. Artista é um mentiroso que só afirma verdade. O que eu te digo é uma mentira puramente verdade. Arte não é um dom Deus. Arte só uma forma de linguagem que encontramos para falar com Deus. Que os artistas ateus me perdoem, mas essa é a verdade. A arte é um mistério. Na arte não há cinco segundos, nem dez minutos. A Arte é amor. E “quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós” (Clarice Lispector). O que são dez minutos? Eu juro que não sei – porque ele não existe. Tempo é pedra. Eu prefiro ser essa coisa insossa: escorregando pela eternidade.

A Arte é um fingir que se é. E quando você deixa de ser o que se é não há mais o Tempo. O Tempo só lembra que você existe. Quando você interpreta uma mentira, o Tempo não te pega mais. Quem é você? E você não se é mais. A Arte é a celebração dos corajosos: pois eles se abstêm do Tempo. A Arte consolida a imortalidade. Deus é imortal.

Eu não acredito no Tempo. O Tempo ri de mim com ironia. Se eu morrer amanhã, morrerei sem Tempo. Mas voltarei para os seus braços – este mesmo braço vazio do leitor que me lê. Te darei um abraço. A Morte é um abraço. Afagarei os teus cabelos só pra te lembrar que o Tempo não existe.

Você que acabou de me ler, esqueceu por uns instantes que horas são.

(27 de julho de 2011).

terça-feira, 26 de julho de 2011

Passeio.

Eu não tive coragem de abrir os olhos. Quando eu vi a ponta do horizonte respirando escuridão, eu percebi que o mundo era imenso. As árvores altas cobriam o sol – e o vento era tão macio como as noites frias de Outono. Era Outono.

- Não tenha medo – ele me disse com uma voz doce.

Mas eu não respondi. Porque eu também estava com medo dele. Porém, ele se sentou e senti suas mãos pesadas se prendendo à minha cintura.

- Vamos lá?

Eu fiz que sim com a cabeça. Cheio de medo e espanto. Mas eu podia ver um vitral se formar no escuro das minhas pálpebras. E, de repente, era como se deixássemos cair no centro do turbilhão de uma tempestade. O vento era frio e embalava o meu corpo. Mas nos meus olhos, aquele vitral... o sol se refletindo e as folhas das árvores contornando-se em sombras diante do meu medo. Então eu senti a mão dele acariciando levemente os meus cachos. Estiquei as pernas e o vento parecia se quebrar na ponta do meu pé. E tudo ficou imensamente veloz, e a realidade parecia se dissolver num sonho que fugira da madrugada e agora invadia as silhuetas das altas árvores e se espargia no asfalto cinzento. Mais uma vez ele se agarrou à minha cintura e então me senti mais seguro.

Até que tudo foi ficando mais leve. Tudo deixava de rodopiar e voltava ao seu lugar... o sonho finalmente cedeu o seu lugar à realidade. Mas eu estava de olhos fechados. Não queria apagar a sombra das folhas que margeavam a minha escuridão. Quando abri os olhos, o sol estava pálido. No meu cílio, estava presa uma pequena folha seca. E meu corpo pareceu de dissolver em delírio...

- E então, filho?, perguntou meu pai encostando a bicicleta no salgueiro.

Aquele homem tão imponente me encarava. Sorria. E percebi que ele me amava. E, tendo recebido seu amor, eu queria ser amado novamente.

- Podemos fazer mais uma vez?

(26 de Julho de 2011).

*Desenho: Pedro Takahashi.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Amor.

(Para a Bruna Takahashi)

O vermelho e a púrpura irradiaram com uma força brutal. As cores mancharam em borrões o negro da sala sem luz. Mas era de noite – e havia a Lua espiando. Mas era de noite – e o mistério era uma chama fraca que se incandescia sem força. Era de noite – e o mistério se encerraria a sete chaves no profundo escuro da Terra.

E quando o vermelho e a púrpura pareciam se fundir, de repente o amarelo começou a orvalhar a noite. E as três cores pareceram lutar em si, insanas, famintas, prestes a se rebentarem com violência. Aquela água púrpura avermelhada fora ficando cada vez mais amarelada com o ar suave e fresco da noite. E, com uma impaciência que só a Natureza às vezes tem, um turbilhão se formou em ira e, quem o olhasse a certa distância veria apenas três cores lutando entre si num tornado bruto, cego e violento. No céu, a Lua pareceu se dissolver em pânico... três grandes astros pareceram se aproximar com imponência. Mercúrio, Marte e Plutão oscilaram entre as cores que se inquietavam. Estaria havendo uma guerra? perguntou a Lua que se escondera atrás do Sol. Não, está se fazendo uma nova vida!, respondeu o Sol em suave delírio.

Então as três cores se fundiram e assim nasceu uma cor que se esparramou pela Terra...

A essa nova cor, os homens chamam-na de Amor.

22 de julho de 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A Montanha.

(Para o Guto)

“Falta-lhe ainda”, escrevia finalizando a carta, “registrar algumas coisas...”. Reticências. A montanha pareceu se aproximar cada vez mais quando o sol apareceu. O jardim de rosas e lilases se descorou em sombras. Isso quando o sol novamente fugiu. A montanha estremeceu frágil, úmida. Para se afastar novamente ao horizonte. Enquanto que na encosta, tudo estava escuro. Alguns pinheiros velhos e retorcidos se agarravam aos brejos. O sol se mostrou tímido atrás das nuvens e a luz atravessou as franjas do lustre. Então, aquele amarelo-pálido pareceu escorrer com fúria – como água numa gruta. Uma poça se fez no chão e pequenas manchas escuras nadavam na superfície. E quando um pássaro gritou em pânico, as urzes se enrolaram nas lajes, cheias de cólera. A montanha talvez se desfizesse em águas brancas. “... coisas que eu não consigo dizer...”, escreveu enquanto concluía estar sendo um tolo, pois sempre há o que dizer. Ponto final. Na baía, pequenos barcos oscilando. Olhou pela janela – e viu um navio afundando no horizonte... “... toda essa beleza... é insuportável demais...”

Isto ainda não é o fim, pensou apertando os lábios com impaciência. Ainda havia algo fora de ângulo; alguma coisa não estava registrava porque se embaçou diante das lentes. Ele se levantou meio dormente. Com as mãos no bolso. Parou diante da janela, tentando apenas olhar; uma hostilidade ameaçava a visão: mas as ondas do mar apenas se contorciam em pequenas manchas... aliás, o mar estava tão tão tão azul que as ondas brancas pareciam se retrair concêntricas para as profundezas daquela imensidão...

Na outra margem da praia havia um porto. Os navios ancoravam quase que raramente no pequeno cais. Porém, havia os pescadores. Era possível avistá-los de braços nus e salpicados de sal içando suas redes cheias de pesca. O que dava a ilha aquele cheiro de peixes e óleo. Aquele cheiro acre margeando a montanha como uma neblina...

Ah sim! A montanha... é imensa! Encobria parte do horizonte... se naquele momento a montanha parecia dócil e frágil, sob a luz do luar ela era um mistério. Feita de crateras escuras e rochas pontiagudas que se esclareciam banhadas em prata na lua fria. Uma mata densa se fez aos pés daquela esfinge. A montanha inconquistável. Diante daquela praia a montanha era um delírio – com o seu cume imerso em neve. O proprietário do hotel dissera que morreram milhares de exploradores que tentaram desbravar cada reentrância da montanha. Mas a montanha estava em silêncio. Agora, todas as estradas que davam acesso a ela estavam bloqueadas. Não é permitida a entrada de...

“Há algo de errado com essa montanha” começou a escrever, “pois tenho a vaga impressão de que há pessoas lá... apenas espiando... não sei porque essa montanha me assusta. Ás vezes, ela é estúpida. No entanto, pressinto que ela me ameaça. Com uma ferocidade calma. Sim – esta montanha parece ter um ódio paciente.” Repentinamente, um lampejo de luz atravessou a janela – o farol... “mas até parece que eu a conheço bem... será assim tão simples? Como uma vaga lembrança, como degustar entre os dentes essa sensação adstringente de que tudo já se foi? Mas foi o quê, meu Deus? Eu te digo: essa montanha é um delírio...

Os hotéis daqui estão lotados. As casas dos habitantes da ilha se amontoam como favelas na curva da praia. Estou há apenas três aqui, eu sei. Mas também sei que algo me vence. Algo muito maior que eu.

Já era hora de eu ter partido. Ou senão uma montanha seria apenas uma pedra no meu sapato. A vaguidão das brumas no amanhecer é lindo – e quando as borboletas se enroscam nos espinhos das rosas? Pode ser crueldade – mas nas pétalas das rosas há um sangue quente palpitando vida. E essa montanha é tão estúpida que cobre toda a ilha de sombra. Mesmo que o sol insista em iluminar. Antes da mamãe morrer ela me disse: ‘Talvez, se eu estivesse no cume de uma montanha agora, morrer me fosse mais fácil. Aprender a voar dói muito.’”

A tarde se coroava de vermelho. Os andaimes do porto trabalhavam estalando. Toda a montanha, revestida de escuro, parecia lisa. Como a superfície de um ovo. Porém, havia cicatrizes ressentidas. Agora o mar era verde – e o mar se espelhava sobre a montanha. E o vermelho se fundia no verde com certa doçura.

“Mas olhando a Montanha agora, nesse espectro esverdeado, percebo que ela é apenas uma mentira. Pois agora ela brilha tão suave como um sonho. Ela se afasta vencida, como uma palavra que a gente não fala. Ou, talvez, como se fosse algo surdamente ruidoso. Onde espaço perdido de sua superfície parece suspirar incerto – pressinto que esta montanha seja volúvel ao ponto de parecer uma ilusão a quem olha. Se à noite ela me ameaça, agora posso acariciá-la – pois estou tão próximo de seu cume que quase a toco na ponta dos meus dedos. As sombras que caminham sonolentas sobre o mar parece se imobilizar diante da gravidade austera da montanha. Oh, meu Deus, mas sinto que ainda essa montanha desperta algo muito maior do que isso que te digo... mesmo agora com ela se aparecendo uma nuvem – tudo não pode ser uma mentira?”

Quando o sol se pôs no horizonte, o vento pareceu suspirar...

Os pássaros de prata se agarraram às altas folhagens que se moviam solenes... o vento acariciando a paisagens impressionista embebida num suave ninar prematuro, a maresia que banhava a costa da praia... Não! pensou consigo, pois ainda algo pairava hostil sobre aquilo tudo... o coração curvava-se pensativo, tímido, quase sem fôlego, um pouco cansado... ah! mas apenas três dias distante, ele banalizaria aquele vazio que se formava em seu peito, pensava com inquietação... aquela carta era algo inútil – como a Montanha... ele talvez jamais compreenderia que a saudade é assim mesmo: essa fome selvagem de querer possuir o outro, essa sede de querer ter nos lábios o sangue da pessoa para sentir o íntimo do seu escuro pulsando em vida... o que ele poderia entender? se indagava com inquietação... que saudade é essa ânsia de morte?

““Ontem”, continuava escrevendo, “andei um pouco no centro da ilha. É curioso notar como as pessoas daqui se habituaram a montanha. Fui ao porto ver o pôr-do-sol e acabei conhecendo um comerciante. Fizemos amizade no ancoradouro, enquanto ele preparava suas mercadorias para o próximo navio cargueiro que iria atracar em algumas horas. Convidou-me a ir ao seu chalé para me mostrar sua coleção de armas. Achei interessante o convite. Aliás, esse comerciante é muito curioso. Infelizmente ele gesticula demais – parece uma marionete. Sua coleção de armas é fantástica. Mas não pude de deixar de comentar sobre a Montanha. ‘É realmente intrigante’, começou a falar pensativo. ‘Às vezes tenho a sensação de que ela é apenas um susto... essa Montanha – ela se faz em sonho: em cascatas transparentes, como as espumas brancas do mar espargindo na imensa rocha que paira aérea no meio do nada – é lindo de ver o arco-íris que se forma quando uma grande onda rebate nela... A solidão parece se desbravar das sombras da encosta para ir se enrodilhando lentamente até a ponta da cordilheira’ E assim ele sonhou acordado por alguns segundos. “Ah mas morreram muitas pessoas ai!”, disse numa repentina lucidez. Então me mostrou algumas notícias, fotos e recortes e me contou do seu filho que iria explorar a Montanha juntamente com alguns exploradores naquela mesma noite. Fiquei surpreso. ‘Há sempre o que descobrir’, exclamou o meu amigo numa espécie de justificativa a minha surpresa... ... quando voltei para o hotel, não bebi nada, nem comi. Fechei as cortinas. Não queria a Montanha me espiando. Mas desejei imensamente que o filho do comerciante morresse – que a montanha o engolisse com fome. Hoje de manhã, foram encontrados mortos por uma imensa pedra que caiu sobre o grupo, numa espécie de pequena avalanche. Que morte estranha e estúpida!

Mas só agora é como se o meu sol se despertasse e iluminasse o que era impreciso... – como dizer que sinto sua falta? Como te dizer que sinto saudades? Há no verde-esmeralda dos seus olhos o mesmo mistério, o mesmo ardor e a mesma violência de vida que há nesta Montanha. Se eu te encarasse neste momento veria piscando nos teus olhos essa imensa Montanha esverdeada. Assim como eu fixo o meu olhar na Montanha agora só para fazer a tua imagem. E a Montanha me encara com uma fome de rapina.

Eu sempre te exigi demais – eu sei. Como se a sua presença fosse incapaz de me satisfazer. Mas não – o que eu queria era a tua vida! Pois a liberdade que eu almejei, no fundo, sempre fora esta: a de conquistar uma Montanha escura, pontiaguda, feroz, frágil. Mas agora sinto que a minha incapacidade maior foi a de não compreender o teu silêncio – preferi agitar os sinos das torres e afugentar as pombas! Para se conquistar uma Montanha é preciso primeiro começar a passos lentos. Escuta – esse meu caminhar macio e suave farfalhando na relva úmida. Sentir a terra molhada grudando na palma da mão. Deveria ter começado com apenas um suspiro, como uma prece. E ir caminhando tão lentamente. Isto é amor meu Deus! Mas isto é amor! Um amor íngreme. Um amor crestado em rochas ígneas. Até o momento em que só há uma trilha a seguir: e de repente já se está quase numa clareira... e de repente pode-se descobrir...”

A noite caíra. A Terra, por um momento, pareceu estremecer. E, olhando pela janela, a Montanha! Grande, majestosa, imponente. A Montanha. Pode-se descobrir... ele murmurou de sobreaviso. A Montanha até se parecia com uma verdade absoluta! Mas não – vendo as fendas feridas se fazendo ao longo da superfície da Montanha, ele podia enxergar os olhos! Os olhos! Os teus olhos... mas porque agora tudo parecia ser tão mais simples?

“... a Montanha é de um tímido escuro... eu não sei como concluir esta carta... mas eu sei o que preciso fazer...”

Vestindo uma blusa, apesar de não estar frio, e acendendo um cigarro, foi até ao jardim do hotel. Absolutamente nada se movia. Apenas o vento respirando com preguiça. O mar cambaleando em vai-e-vem... dentro daquela imensidão, ele era apenas um ponto que quase não se movia. Era algo sem luz, imobilizado por uma impotência de ser apenas um ponto. Mas, vendo-o de perto, podia-se ver claramente a sua impaciência – a impaciência de um explorador que acaba de encontrar algo extremamente raro. Algo que há muitos anos fora enterrado para não ser descoberto, até que finalmente tudo havia perfeito sentido. Para se descobrir o segredo de uma Montanha, é preciso entrar no fundo de sua intimidade... Esqueci de dizer, lembrou-se assustado, de que esta Montanha parece sofrer, pois o modo como olhá-la a transforma com violência... uma Montanha só deseja ser montanha... quer se estabilizar diante da instabilidade de um olhar, concluiu entrando na primeira estrada da encosta.

“Há sempre o que descobrir”, lembrou-se do comerciante. Mas agora, até mesmo o comerciante dormia aquém daquela Montanha. Voltando para si mesmo, percebeu que era ele, apenas ele, que de tantos olhares lançado a Montanha, agora ele a compreendia. Ainda queria dizer mais coisas para o irmão, naquela carta. “Mas até agora a Montanha fora inexplorada. Porque ninguém a encarou cheio de vontade e força. A Montanha é solitária porque ninguém quis dar-lhe as mãos! Morre-se aos seus pés por falta de compreensão. Realmente, vendo-a de perto, a Montanha é uma abstração: ela se faz em linhas agudas até o topo do céu e se desfaz em cascatas estridentes. Você é o segredo da Montanha – mas a Montanha não guarda segredo algum. A montanha é. Você é. É o quê?”

A Montanha por um momento sorriu. Até que se envolveu em si mesma. O que a Montanha é? perguntou-se com riso irônico. O que você é? e quase como um autômato, seguiu dentro da estrada.

E então finalmente entrou na Montanha...

17 de Julho de 2011

20 de julho de 2011

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