quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ode Elegíaca Para Um Ponteio Saudosístico Em Dó Menor Quase Em Prosa Quase Em Versos. [para duas vozes solitárias]

Alô companheiro! Alô, diz

a voz,

eu não sei sorrir;

fecham-se as cortinas do palco e

fico mudo entre os atos

que precedem o próximo gesto

o instante futuro que passa é passado

vazio e mudo

entre notas ásperas de um piano desafinado que

desatina nas mágoas ponteadas das minhas

feridas rasgadas

violentadas, minha voz

esmorecida

se perdeu em algum canto

minhas palavras empobrecidas

deixei no meu canto

mudo pranto

foi-se companheiro

as terras vazias,

eu grito

G-R-I-TO:

AI DE MIM O QUE SOU DE MIM? SOU O QUE NÃO SABE O QUE SE PODERIA

VERBO TO-BE

CLAMA-SE POR ÁGUA E FOGO

O que sei eu disso?

olho através da janela

através da janela olho

a pedra, o nunca, o tudo,

você me diz:

És.

Eu sou?

Tu me foges!

Isso eu chamo de silêncio;

desligo o telefone, vou até o regato e fico apenas olhando

apenas olhando fica o regato a olhar-me

nunca fui a igreja

eu não sei como se reza o pai nosso,

Ave Verum Corpus

eu nunca vi Deus

deusinho deusinho

Vinde a mim porque humanizo-te e choro

as pragas vil dos milagres que eu nunca recebi;

sou pobre, meu cash está no zero,

nunca matei alguém

mas já chorei no dia de todos os Santos;

ontem,

preciso te relatar,

foi dia de Finados – soltem as pombas!!!

A PAZ ESTÁ MORTA!

MORTA???

DEUS, CLAMO TEU NOME E TUA VOZ ME CAI COMO UM RAIO!

AS TROMBETAS DO CÉU

ecoam,

ontem foi dia de Finados e por isso mesmo escrevo está ode

pois eu

humanizado

esqueço o que é morte:

será a morte um grande Nada?

DEUS TU ÉS O NADA?

O TUDO E O NADA.

Integrai-me

pois não sei como morrer.

Ontem foi dia de Finados e

finei os meus sonhos perdidos

antigos e vastos;

vasto vasto mundo

que tanto chorei sem deslumbrar

a vitória daqueles que emudecram

edificai – Senhor – edificai

UM DIA MORRE-SE

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORREREI MORREREI MORREREI

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MORRE-SE MORR-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE MORRE-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

MATA-SE MATA-SE MATA-SE

Na janela do meu quarto

eu vejo da janela do meu quarto

o tempo e o vento

que se carregam nos rostos anônimos que tomam

Coca-Cola e comem chocolate no grande vazio

da praça;

mas eu vejo uma multidão que se levanta

das sombras que se repousam no pôr-do-sol;

gritadas a multidão palavras mutilam o sol que se esconde

entre as montanhas

equidistantes estúpidas e silenciosas

remotas saudosas...

queimam-se as cruzes dos meus sonhos

em desalento

gritam-se:

LEVANTEM A BANDEIRA NO MASTRO – MAS O GRITO É SEM GLÓRIA,

IMPÁVIDO

LÍVIDO COMO A COR DA SOLIDÃO

QUE SE PARTE EM MIL FLECHAS...

Povo

levantem suas lamparinas, bradei

e corri todos os montes

e todos os prados

e campos

os pássaros em bandos cruzaram o céu silencioso descortinados nos descampados

[e eu não vi, emudeço.

Partido o espelho em mil cacos perdi a minha face

irrefletida,

desmancharam as cores restos de faces minhas desmiradas multifacetadas se encontra

em escuros perdidos vazios escos gravíssimos

afino o desafinado silêncio dos finados

que se suspendem temerosos e trêmulos;

som da morte que soa

sincopado;

uma adaga peguei do seu cetro a cor rubra do sangue escarlate

que roubei a vida peregrina que das sombras que rondam meus sonhos

e desfiro um corte fundo

profundo

um suspiro

o sangue esguicha e vaza pela alucinação

desvairada

doida varrida

dos meus pulsos flamejantes

quero sofrer

quero me ser

quero sentir

o pulsar do MUNDO

como um TOLO

tingir a camisa de LODO

QUE A VIDA CAIA SOBRE MIM.

A multidão avançava em prantos

eu quero afinar esse mundo

numa canção sem palavras,

enquanto eu digo aqui da janela do meu quarto o âmago que me prende

e que me solta eu ganho asas e voo livre para os seus braços;

eu passava na rua ladrilhada por lantejoulas escarlates

(estrelas, meu bem, pareceram cair do céu para iluminar

o meu canto

mas me canto não existe...)

(minha melodia é um assobio sem ritmo e eu só sei cantar

através de um sopro

o primeiro e último suspiro

que atravessaram bilhões e bilhões anos-luz

quantas estrelas me espiam?)

e uma moça cantou assim preste a atenção:

“O surdo ouviu

o mudo dizer

que o cego viu

o aleijado correr”

Corre meu bem enquanto ainda é tempo!

corre enquanto ainda é primavera e o tempo é de morangos!

corre

prepara uma torta

receba os pássaros;

abra a tua janela para eu poder te ver

mais de perto.

Jamais eu poderei gritar o que

vi:

vede:

a luz!;

os olhos fartos eu fecho é preciso ouvir

um pouco o que se sopra entre a relva seca

e morta;

pensando eu estou muito em morte?

parafraseio o que sente no ritmo do peito

a víbora serpenteia meu corpo em espinhos

doce espinho

que me fere e me tange

eu não sei amar

nunca amei

serei uma dia amado?

esqueci o que sou do outro lado

dos meus sonhos;

apago a luz porque a luz me cansa

eu me canso de mim porque

eu não sei o que fazer.

Aleluia!

Abrem-se as porta:

eu sei que quero amar

gritar o meu cântico de amor

para aquilo que me ama!

quero morrer para saber que então

finalmente

poderei me integrar

à sua mágica de ser

quero perder a voz

frêmita

e sentir teu corpo nu

roçar sobre o meu

eu sou a terra

te respiro toda meu bem

uma garoa

fria e fina

pinga e respinga

no véu transparente

da janela

do meu quarto

quero ir até

a margem dos meus sonhos

e te roubar para andar comigo

de mãos dadas

e sermos um!

VENHA DEUS PORQUE EU SEI QUE TU ME ÉS

ENTÃO POSSO ME SER

FINALMENTE

PORQUE TE AMO.

Eu sei que a morte vem; vem? sim,

através das horas que se sucedem na ponta do ponteiro do relógio

há um estalo rude e seco:

a morte vem.

Vamos cantar em coro meu bem?

EU QUERO A VIDA AMAR-TE-EI SEMPRE SENTIR O TEU CORPO QUENTE

DE VIDA DE VIDA DE VIDA

SAUDOSO MORENO MOROSO

EU QUERO ABRAÇAR-TE

ROÇAR-TE

BEIJAR-TE

teus cabelos esvoaçam no campo

os lírios balouçam em nosso jardim;

vamos pegar o próximo bonde!

DEUS VINDE A MIM POIS CANTO A VIDA

A GLÓRIA DE SER-ME E DE TE AMAR

SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA

FAÇO O ANTIGO RITUAL TRIBUAL

ofereçam-se os sacrifícios!

UNIR-VOS

A SEDE ME CONSOME!

O que sou?

És o que jamais serás!

O que serei?

Serás o futuro!

O que é o futuro?

Invenção a mil vozes!

Paixão Segundo a Nossa Própria Morte!

Amem.

Amem.

(apaguem-se as velas,

vamos dormir em paz).

Dona Nobis Pacem.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

QUINTETO PARA PIANO.

- É Schumann, disse M. - Clara sorriu sem olhar para M. que parecia espiá-la através dos seus óculos. Como seria bom uma taça de vinho agora, pensou Clara. O violoncelo incisivo iniciou os primeiros compassos e o piano deslizou em escalas arrebatadoras.

- Schumann, sibilou M. – e sua voz parecia uma pedra enxuta.

Azul. Um feixe de luz escapou do lustre do teatro e vazou na escuridão mansa; uma mão macia deslizava como seda no seu corpo e amaciava a sua pele rude e seca – mas ela não pensou em nada; pensou em prazer, em um abraço; azul transbordando do limite do campo vazio que se estendia quase morto – uma ficção; mordeu os lábios e sentiu o gosto de sangue, mas não é sangue mesmo que se derrama através das lágrimas dos sonhos doidos? uma vez sonhei com uma multidão de loucos que atravessavam a praça central da cidade – todos seguravam consigo uma bandeira vermelha; esta simbolizava o sangue que é meu grito mudo de vida e morte; as cabeças desvairadas luziam repicadas na luz do pôr-do-sol – essa multidão que não dorme, insone, que espia, marchava rumo aos que se calaram porque perderam a voz – ou por que esqueceram que neles haviam a voz? Mas um buraco se abriu no meio do caminho e a multidão toda de repente já não existia mais – antes, gritavam e seus gritos retumbavam nos corredores de sombras intumescidos pela imobilidade daqueles que dormem na noite profunda; sem a esperança – rasgaram-se as bandeiras erguidas no mastro do reino sem rei, ouve-se somente a voz profunda e rouca pulsar arritimicamente confundindo-se aos passos sem pés na estrada de terra de estrangeiros? o que sou afinal, meu Deus, preciso contar baixinho o dia em que chorei – gritei coisas e as palavras escaparam de meus lábios: cév parece com céu e fecho os olhos porque tenho medo da loucura e suas paixões – amanhã é Dia de Finados meu Deus e o que sei de mim?, deixo uma rosa branca ao pé de minha lápide e escrevo “nunca” por que o nunca é tudo – mas eu preciso de Piedade meu Deus que haja a paz que haja a luta que haja a glória em nome daqueles que não possuem nome que haja a justiça em nome do silêncio para que eu possa me ser em paz mas o que me sou eu nunca fui pois nunca serei de mim o que deveria ser isto é amor Deus meu já não sei a pergunta pois a interrogação pode ser meu fim e eu não sei como morrer por favor me ensinem a morrer assim como esse piano entra em pausa assim como a cortina do palco se fecha eu preciso saber como se morre para poder viver em paz mas como viver em paz se não passo apenas de um ruído entre tantos outros ruídos dissonantes que se perdem em ecos dispersos nas águas foscas de um mar mosaico e salgado é isso Deus talvez eu precise de uma chave talvez eu precise

- Clara?; Uma taça de vinho se espedaçara no chão... o vinho esparramado ao chão enquanto o quinteto ainda tocava os últimos acordes...

- Vamos embora?

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