domingo, 13 de maio de 2012

Dia Das Mães.

Hoje é 13 de Maio. Eu adoro esse número: 13 - pois eu queria ser apenas um número. Eu - que reduzo apenas à um nome. Então, o meu segredo é 13. Pronunciarei o 13 como uma prece, só assim Deus virá a meu encontro. Deus, vinde a mim.
Hoje é 13 de Maio. Dia das Mães. Tão frio como uma ausência que os sinos badalam em meu corpo - é assim este domingo. Eu, na minha natureza de homem que sou, sinto-me capaz de abrigar todo o Mundo em meu ventre - como uma mãe que sempre está a espera do filho que nunca chega em casa na hora certa. Sou mãe de mim mesmo, sou mãe daqueles que eu adoro. O segredo de uma mãe é sussurrar o 13 aos ouvidos do filho que dorme. Assim como eu: que boto esse Mundo na cama, conto-lhe histórias, troco-lhe os curativos, dou-lhe leite e cafuné. Também choro um pouco quando me encontro só, parado à janela, olhando as coisas caminhando de lá para cá sem virem até mim. Mas, confesso que sou paciente: como uma búfala, que é bruta, que também pode ser delicada em sua espera.
Eu, na verdade absolutamente masculina de minha natureza, sinto a necessidade de me encarcerar na mágica da embriaguez, pois que com o deleito sofrido eu sinto o que é ser mãe. E quando a noite cair, meu filho gritará:
- Mas mãe, a noite me é tão escura!
- Pois sim, meu filho!
Dai-me tua mão. Pois Deus também precisou dar sua mão à mim. Pois o meu segredo é 13.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ceci n'est pas une pipe.

É, sim! - Uma travessia extremamente arriscada. É possível observar os corpos se retorcendo em equilíbrio, as mãos se agitando no ar, o rosto suado - difícil se manter parado, com os olhos cegos, sentindo os pés nus vacilarem a meio fio; pois, eles poderiam levantar suas mãos e então voar, alçar voo para terras não descritas pelos marujos que se perderam há milhares de anos por mares inexistentes; ah sim! - aqueles homens, de braços bronzeados - estes dai só sabem mesmo é fingir!
- Vamos rumo ao sul! - grita o comandante.
Mas a espada não está afiada a ponto de que todos os tripulantes perfurem em fúria a rosa dos ventos; enquanto o sol vai chovendo sobre as cabeças, as águas do mar se mordem em espumas...
... mas, por um instante, ele para na praça pública e observa a grande estátua emergir ao centro, com o escuro da noite se espargindo em todos os cantos; a estátua também é pública enquanto todos os olhos a tocarem em seus cílios de barata velha; ele se aproxima com dificuldade, sentindo que a sua respiração era extremamente dificultada por aquela acidez de gengibre que roça toda a boca; as sinuosidades, os traços incertos, tudo parecia um terrível engano; a estátua era apenas cega;
mas ele jamais poderia fazer algo enquanto visse o carro partindo, enquanto o asfalto sustentasse aquela leveza com que o pneu do automóvel sibilava aquela canção acinzentada; cada vez mais tudo se tornava tão distante, ele observava aquele cabelo cheirando a amêndoa partindo para algo que nunca lhe pertenceria  - sim, com modo ele deveria se entregar a eternidade? Pois, ele nunca possuiría aquela coisa mole que lhe escorregava dos dedos e que era tão transparente que enxergava os próprios pés encardidos... é assim que ele jamais viveria, pois,
um dia, vivendo de extremos riscos, ele caiu para o Nada quando o fio que o sustentava se partiu; foi assim que seu barco naufragou quando a primeira onda lhe abateu; a estátua lhe enfiou uma espada no seu estômago; o carro despencou no horizonte;
o que seria daquele homem, meu Deus?

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Queria ser uma coisa linda.

Quando as estrelas caíram no céu e os grilos afinaram suas canções, eu disse: queria ser uma coisa linda!
Lindo somente é toda essa eternidade, esse vento, essas árvores. Esse vitral que se forma ao chão quando o sol trespassa as folhas das árvores.
Queria ser uma coisa linda!
Meu Deus.
Seria preciso a Morte vir - essa mão solitária e fria que nos acaricia e nos conforta. Seria preciso que a Morte me ninasse em seus braços e nos meus ouvidos soprasse sua melodia incerta. O que eu diria: queria ser uma coisa linda!
Lindo mesmo é o findar do sol entre as montanhas.
Lindo mesmo seria dormir sobre teu colo e nunca mais acordar...

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Papillons

Nuvens que vagam no céu a pastar...

E eu, o que faço de mim?

Vejo este rebanho ruminando seus sonhos;

Vejo este sol que chove sobre os campos;

Vejo os lírios que desabrocham o silêncio;

E eu, o que faço de mim?

Penso que não há o que fazer.

O certo é se deitar na relva fresca;

Certo é ver esse mar correndo;

As ondas se dobrando em espumas;

Finjo que faço e não sou;

Eu minto – assim eu me salvo;

De quê?

De mim – que sou uma canção desafinada;

De mim – que se apodrece no Tempo;

De mim – que as lágrimas deslizam como víbora;

De mim – pour quoi? Mon dieu!

Mon amour pour toi

Mon chanson est triste…

O que devo fazer?

Vou abrir um livro de poemas

Ao pé de uma árvore

E assim desalinharei toda minha sorte

Em rimas e estrofes

Que eu não vejo entre as palavras...

Devo atravessar a barreira do som?

Devo ser o que sou?

Mas o que sou afinal?

Je suis votre corps,

Je suis l’amour corronder votre âme.

Nuvens que vagam no céu a pastar...

E eu, e eu, e eu?

Et moi?

Fico apenas a esperar...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Que se parece uma onda...

O vento suspirou. As franjas do alvorecer repousaram sobre o campo...

Um homem não pode deixar de se enganar pela sua visão; um homem, na verdade, não pode deixar-se trair pelos próprios sentidos – estava parecendo um tolo – devemos perdoar este lapso de Orlando, que ainda despertava, mas fumava seu cigarro? Um homem, ao despertar, é tão vulnerável como um recém-nascido – devemos desculpá-lo – porém, a Natureza é implacável. Orlando lançou seu olhar pelo campo; mal a névoa se dissipara, as árvores do pomar se mesclavam em borrões sutis ao céu azulado – as folhas farfalhavam como uma pena que esvoaça delicadamente sobre as nuvens esbranquiçadas e que abraçam as vacas que ruminam na eternidade; o vento se insinua levantando as saias – que força! exclama a velha dona Alice, que estende a roupa no varal; nossos olhos se abrem e assim a Natureza nos afaga – francamente, a vida parece existir somente quando a encaramos – e se morrermos, a vida será uma mentira.

Mas agora Orlando se traíra demais – observava um pé de laranja se esclarecendo cada vez mais que o sol avançava e ele teve a nítida impressão que a árvore murmurava – assim ele se permitiu se sentir um pouco idiota ; - falamos de árvores, de sombras e névoas – um cão ladra incansavelmente – mas tudo isso é inútil. Tudo existe de si para si – nada escapa à solidão; ah! mas é que tudo parecia espuma flutuando... Orlando, que se parecia uma onda; Orlando, que se parecia um caracol se dourando enroladamente nos primeiros raios do alvorecer;

um homem não deve se submeter às suas paixões – assim Orlando se voltou para janela, cada vez mais consciente de si, ficando cada vez mais vigilante, atento aos móveis que estalavam ao seu redor, levando a mão ao peito, sentindo que um vento morno inflava as cortinas da janela; o tempo avançava, as vacas mugiam e a roupa secava no varal; devemos dizer, sem romantismo, que Orlando aos pouco deixava-se abstrair por uma onda que atravessava seu corpo e o arremessava para outro plano – sentia-se prestes a se rasgar como um papel – assim como devemos ser francos ao assumir que o homem parece um imbecil quando deixa-se escravizar pelo mistério; sim, devemos dizer que é o mistério que nos submete à humilhação e que nos inquieta diante de uma janela enquanto ficamos apenas observando a vida permanecer extática diante de nossos olhos; nós nos obrigamos a nos empurrar para darmos pequenos passos, ainda mais quando tudo parece inconquistável e quando o mistério se desdobra cada vez mais em gestos imprecisos; às vezes, porém, tudo pode ficar mais suportável quando dona Alice traz um bolo com chá; ou quando se abre um livro e nos deixamos surpreender por algumas palavras bem escritas; Orlando, que se parecia com uma onda – e que agora naufragava carregando consigo palavras jamais pronunciadas, mas que ele conhecia de cor... quem diria que um jovem como Orlando poderia fenecer em plena luz do dia? oh!, que Deus o perdoe dos seus enganos, Orlando fumava, mas ainda era um broto! Orlando, com o nome curvo e redondo rolando num papel em branco, meu Deus, Orlando é um esboço, algo inacabado; Orlando se deita como uma sombra – porém, suspeita-se que tudo isso seja perda de tempo e não queremos irritar nosso leitor de impaciência; mas o que se deve dizer de um homem que cede a primeira tentação do dia? que não se deixe enganar, caro leitor, mas a Natureza é um embuste e uma montanha pode ser uma promessa arrojada de um amor infértil; o que parecia necessário, no entanto, era desertar – um barco que escorrega ao longe, lá no horizonte, pressente-se um ponto final na incansável busca... – no entanto, deve-se perguntar: o que se busca afinal? um marinheiro já sabe que a terra é redonda... busca-se talvez por novas terras, por civilizações selvagens, por tesouros... ainda assim, haverá a insatisfação, ainda haverá aquele buraco imenso e vazio que nos afasta cada vez mais dos nossos sonhos; porém, Orlando permanece inalterado como uma estátua; aproxime-se, caro leitor, e então acharás que o nosso amigo estará sem vida; no entanto, suspeita-se de que aja uma vida tão intensa dentro de si que, se pudesse extravasá-la de alguma forma, toda a raça humana seria dizimada por seu terrível impacto; diante de tudo isso, nos espantamos de tal maneira que chegamos a nos convencer de que tudo isso não se passa de um exagero; podemos apontar o calor como sendo a causa desses delírios, mas é impossível determinar com clareza. Mas é claro, não devemos supor que tudo estivesse mais claro do que um sol tampado por nuvens; mas, como foi dito, a Natureza é uma mentira, não devemos confiar inteiramente na realidade que ela nos entrega; no entanto, consistimos da mesma matéria insossa dessa Natureza falaciosa que nos entrega de mão cheia as suas paixões; somos apenas as suas paixões; somos apenas crianças à mercê de nossa curiosidade e inocência; nossa naturalidade nos permite que deixemos nos entregar as coisas um pouco às cegas, mas não importa, nossa ingenuidade também é uma forma de amar; amor se desdobra em inúmeras faces e sempre nos assustamos com sua brutalidade; oh, meu filho, mas que não se espante, pois a vida é assim mesmo! esta inabilidade de empunhar nossa própria espada, esta hesitação de ir adiante; o que nós deveremos fazer? há aquelas que se despem diante do Nada e diante do Nada diz: “Sou Teu”; uma cruz se eleva e o que se é passa a não ser mais; cabeças se levantam e olhos apenas assistem um corpo sendo estilhaçado ferozmente sobre esta luz parca que recobre nossa consciência e que nos apavora; mas, esse silêncio, nos unimos ao mesmo ritual; em silêncio, nós compactuamos do mesmo sacrifício;

foi assim que, um dia, provido de uma inspiração calorosa, Orlando esqueceu seu passado, entregou-se ao futuro – mas o presente lhe aquiesceu – e assim passou a se chamar Orlando – pois ainda era preciso que o reconhecesse por um nome – talvez esse nome fosse um pouco pomposo para alguém que sofre de asma; porém, ele era bem consciente de que não se transformaria em mulher de um dia para o outro, o que lhe deixava bem feliz e tranquilo; (... mas os fatos são como pedras esparsas num imenso deserto; se juntássemos todas essas pedras e com elas formássemos um círculo coeso e concêntricos, poderíamos ter a sensação palpável da realidade; mas o Tempo é um senhor imperdoável em seu orgulho; em sua ira, ele lança as pedras aos brejos e tudo rola rola rola pela eternidade...); o que é curioso notar é que Orlando parecia ter duas faces o que lhe conferia, obviamente, uma dualidade, porém claramente masculina e feminina (e aqui, caro leitor, devemos esquecer de Virgínai Woolf...), pois ora ele era frio e orgulhoso, como quem avança com uma espada com a ânsia de quem tem sede de sangue, ora ele parecia fértil em sua delicadeza, sensível como um ovo – fosse o que fosse, era preciso que o carregassem constantemente e, dessa forma, o abraçassem e lhe dessem um pouco de cafuné; era assim que estava sujeito ao fracasso – “um homem não deve se entregar às suas paixões” – ah! e como dona Alice ria do pobre rapaz, incapaz até mesmo de matar uma mosca – covarde! covarde! covarde! – que se sujeitava ao amor de forma tão ingênua; ah! mas o amor...

... esse longo túnel de sombras – Orlando se abstraía na janela – essa longa travessia onde vozes ecoam numa polifonia fantasmagórica; essas vozes encarceradas no balaio do Tempo, esperando que a estação certa os amadureçam e que assim nasçam para a eternidade; aguardam que a chuva venha para os amansar da impaciência da vida; mas não é assim, o Tempo é implacável, algumas sementes perecem no caminho, Orlando se estilhaça, fica a farrapos, mas aos poucos vai juntando o que lhe resta, projeta-se para outras veredas – uma senhora lhe diz: “é assim mesmo, meu filho” e, quando ela sorri, Orlando se horroriza com aqueles dentes podres – “sim, sim, sim, pois é assim mesmo!” – esse grito que se dá no esgar da dor de dente – essa língua morna e mole que se move debilmente – ou tudo seria aceitável, tudo seria como atirar pedras ao mar – vê-se uma sombra se afundando pelas profundezas – balões que se ascendem ao toque de uma mão pequena e macia – ou quando uns olhos se esbarram aos nossos e as ondas se esparramam em cascatas; Orlando, que se esvai no silêncio, enquanto que do outro lado alguém carrega as malas; por piedade esse alguém observa Orlando de dobrando na superfície do mar – o que é preciso dizer? Fazer? – por piedade é que esse alguém se mantém na ignorância, torna-se indiferente e pega o primeiro táxi que se vê; e assim, como um círculo vicioso, novas sementes são deixadas ao acaso até que se caminha muito; acelera-se o passo, vai se aproximando do horizonte, e aquelas sementes repousam sobre o esquecimento, sobre a indiferença – esquecer é um estado da eternidade – dona Alice rindo às gargalhadas: “Seja homem!” e então recebe um tabefe na cara; por quê tudo isso meu Deus? pergunta-se porque no fundo de tudo ele sabe que as coisas estão sendo visivelmente claras, mas que o seu gesto é de covardia... covardia? – pois o que é que se deve amar afinal? – pergunta errada, diz dona Alice; o quê? o quê? o quê? – insiste Orlando; o tempo se enferruja dentro de você; como podemos amar aquilo que não se ama? – que as janelas se abram pois preciso de inundações! Que minhas águas se desaguem para o mar – o mar que encolhe numa gruta! – as laranjeiras, as macieiras, os limoeiros, os abacateiros, as ameixeiras – essas explodem em exuberância – deixo que eu me encerre dentro de meu corpo – que os pássaros, de quando em quando, venham fazer uma canção; as engrenagens do grande relógio avançam trepidando, estalando; um leve rumor agita o silêncio e um grande pássaro de pelugem branca alça voo e mergulha no horizonte; as ondas vibram no seu refluxo constante; o dia recua com fraqueza; como o mar parecesse se apagar... assim como a velha, Orlando não sabe amar! Orlando, Orlando que se joga no mar... que deixa o ar faltar... Orlando, que se parece uma onda...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

(era um amor que exigia inundações)

Era um amor que exigia inundações. Mas abundância não era o adjetivo correto para aqueles tempos difíceis – onde a seca, a estiagem, tornava tudo muito lúgubre, passível a se deteriorar na terra rachada. Porém, eles se uniam para as grandes escavações que um se entregava ao outro, fazendo assim de suas vidas um itinerário sacro, quase como uma promessa – essa mesma, a de grandes conquistas, de atravessar túneis escuramente empoeirados – de perceber encrustado nessas paredes de argila as folhas e flores de anos fossilizados – marcas, nódoas borradas – o osso de um primata – esse amor macerado pela escuridão – pois estavam prestes a se unir pela desunião que o acaso se compromete – o acaso... essa palavra que se ergue como uma visão, apenas – ninguém o olha inteiramente...

Eles poderiam não se submeter a todo esse turbilhão que segue o ritmo das ondas – que desabrocha como um suspiro – vai e vem em oscilações brandas – e quando eles se sentavam na praia e o rumor da vida se agita ao seu redor, tudo parece se derreter – nada poderia ser mais sincero do que aquele amor que bramia aos esvoaçar de asas e quando os olhos de ambos apenas viam uma pequena pena azulada se perder para sempre nas ondas do mar – mas ela que, por capricho, prendia entre os cachos uma folha de coqueiro e tudo se enroscava em incompreensão e desaviso, aquela solidão fiada em sombras refrescantes – ela abria os olhos e não falava nada.

Nós nos desdobramos em mistérios, abrimos as portas e deixamos que o vento entre com sua mansidão esverdeada – ela poderia abrir o seu corpo e fazer dos seus nervos como cordas tensionadas de uma harpa prestes a ser tangida, onde a música se desfaleceria em segredos sussurrados – de alguma forma, ela sempre estivera pronta ao desencontro, por mais que entre eles houvesse aquela comunhão perfeita, onde as notas de um órgão se harmonizam perfeitamente ao coro de vozes que sublimam o salmo antes de a missa se iniciar; mas deve-se perdoar todos os tipos de lapsos que os sentidos podem cometer, pois somos presas fáceis de um mundo que se ergue através de cores e formas; ele, por exemplo, parecia insistir sempre nas mesmas notas avulsas, onde as palavras em branco parecem transmitir sempre as mesmas mensagens; ele, que seria capaz de subir ao topo de uma montanha e lançar-se apenas por uma brincadeira infantil; os pássaros parecem rajadas de prata ferindo o céu que vaza espumas brancas; eles se debruçam na praia, sentem a areia roçando-lhes o corpo, mas aquele gosto de sal apodrecendo na boca, se cristalizando nos dentes – aquela sensação gélida e esverdeada correndo moroso por cada artéria do corpo, querendo trespassar a pele em pequenos cristais transparentes, sente-se que o coração é volátil, sensível a uma queda brusca de pressão; sente-se essa mão que aperta o peito e nos deixa intranquilos, de modo que olhamos para o alto e as gaivotas são bruscas e sérias, estúpidas, com suas penas azuladamente foscas; eles sabiam que precisavam colocar a lente certa para poder enxergar através de suas pupilas um novo mundo – com esta insustentável paz, inflando-se através das cortinas e das ondas, onde as moscas zunem ao redor da comida apodrecendo, nas horas que se transfiguram impalpáveis como contas de vidro – até que se amadurecem e se despencam em cachos no chão; vê-se a polpa molemente se desfazendo, sendo sorvida pela terra úmida, eles apenas assistem absortos a dança que se faz sem compasso até que a terra se fecunda em brotos do passado...

Eles sabiam também que aquele sentimento incerto que os uniam em laços exigiam peregrinações em trilhas desconhecidas, onde as sombras se deitam, onde os espinhos se levantam – seriam mártires apenas de si mesmos; cegos, inconscientes, mas deixando que a lassidão os dominasse por puro prazer do cansaço – mas sem jamais desistirem desta luta inglória, onde de suas raízes nasceriam cutículas de lágrimas mortas; alguém, um dia, acenderá uma vela para que o músico cante sua melodia dissonante, e eles marcharam em passos pequenos, tímidos, arrastados – assim como, dentro da noite, eles eram jogados para dentro de si com tal brutalidade que um ônibus atravessava-lhes o peito e os arremessavam para tempos jamais descritos por homem algum; mas desbravavam a desordem, estendiam-se em campos largos e frescos, podiam sentir o mar se dobrando sobre seus pés e sinos de prata alçavam vôo para terras ermas, desconexos da realidade em que olhos orbitavam cansados da eternidade; mas, pela fé, assim como pela ignorância de serem algo que não pertencem a alguma classe de heróis, eles se debruçavam diante de um santuário e como sacrifício eles jamais se tocariam; sentiam suas mãos cada vez mais se afastando, esse nó que os atava arrebentando pelo vácuo maculado pelo sangue; abre-se um poço imenso, joga-se dentro dele, assim vai-se rolando ao longo do tempo, algo vai se formando, vai se lapidando, vai se fazendo por si só, solitariamente, em caminhos escarpados, difíceis de serem ultrapassados pela inconsciência; assim era aquele amor que não se tocava em palavras claras, por cores neutras, por manchas apenas – borrões, marcas desbotadas, notas insistentes no piano – pega-se um livro, lê-se alguns parágrafos, mas a imagem continua ali: estática, viva, imoral; fecha-se as janelas, espantam-se as pombas da varanda; mas eles pegam rotas distintas, numa corrida onde uma flecha certeira poderia atravessar para sempre toda a eternidade das coisas e partir em infinitos pedaços a única mancha – então seriam infinitas manchas que seriam jogadas ao vento, então sobre o Mundo cairia um grande silêncio, inabalável, intocável, como se houvesse o medo distinguindo-os desse mar de gente que se despencam um sobre o outro; mas eles não se reconheceriam nem assim, distantes, frios, sem nada, inócuos de uma vida promissora, arranhando apenas aquilo que se encontra diante de seus olhos brancos; a noite se ergue, as cinzas de uma tempestade se desfazem em espumas; um navio desembarca e carrega consigo o último forasteiro – agora é terra de desertores, eles jogam, tudo cede e fica vazio, ouve-se Bach, sente-se o frio percorrendo a espinha – um jorro de vida se estremece diante da inabilidade das coisas se tocarem, de se amarem e de se tornaram alguma coisa só... era este sofrimento, esta impossibilidade, esse recuar – essa ânsia de ser um só – um só um só um só – tudo é apenas um – somente... pois que...

... era um amor que exigia inundações...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Rosa

Da minha boca desabrocham rosas - brancas como espumas - de onde se sente o cheiro de maresia e toda nossa travessia parecia loucura; onde posso sentir nossos perfumes se entrelaçando em mãos firmes; porém, isso chega a ser tão misterioso que... que... sem querer, derrubei um ovo; vejo a clara trêmula ao chão - uma possibilidade rompida pela eternidade, enquanto que uma chama arde em fímbrias alaranjadas, estalando em chibatadas surdas; pois é assim que se parece este teu modo de olhar, tão indiferente, sem pelugem - dois aços frios se erguendo numa muralha de sangue; aproximamos nossas faces e algo nos conduz para esta música sem métrica; debaixo de sua palidez, o que eu vejo? meu Deus, o que fiz de mim afinal!? Pois... pois...Apesar de tudo, ele gosta do silêncio; sente-se suas palavras afundando em plumas; garotas sabem que o seu sorriso é uma ameaça iminente, como o guizo de uma cobra prestes a dar o bote; mas, não mais fatal do que isso é que, olhando-o bem de perto, ele já está morto; ah! espanta-se uma moça logo que vira a esquina - pois é assim mesmo, minha filha: sepultemos o que há de pior em nós - pois foi naquele silêncio que ele docemente morreu...
Minha boca desabrocha em rosas para que no calor da primavera eu colha uma quimera...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

As Mariposas

Talvez fosse mais simples do que apagar a luz. Mas eu percebo que algo pálido permanece iinsistente nessa sala, onde as mariposas se juntam num exército sincronizado e com suas asas enredadas de poeira e sombra, dançam como fantasmas, como uma mentira - como uma quimera... e quando eu abro a janela, suspiro o aroma do jardim ao cair da noite quente - esta noite que de tão quente parece branca - um lençol estendido no varal, já ressecado de tanto sol. Ponho o lápis de lado e me canso de pensar em poesia e, no final das contas, eu apenas me vejo debater na escuridão; tem algo nisso tudo que parece um tremendo engano - um desvio de percurso - algo que não fora sinalizado - pois de repente eu me desgarro das paredes que me sustentam e me vejo caído ao chão - quase morto, como que quem olha e se perde - que isto sirva de lembrete a quem me ver: minha consistência é insípida. Mas tenho amor dentro de mim. Mas meu amor pode ser como dessas mariposas que dançam e dançam e dançam... o Mundo é redondo porque ele ama - uma galinha é uma galinha porque ama - então não se esqueça de que também posso ter asas como uma galinha (e como ela, não saber voar) - pois eu que estendo meu braço e imagino o seu se agarrando às minhas mãos, vestindo em meus dedos uma luva de seda carmesim, fazendo-me de algo dentro de algo, sorvendo-me enquanto houver toda essa agitação desencontrada - parece que nossas palavras não se une - queria que enquanto nos tocássemos, fôssemos como essas mariposas de prata que se adensam cada vez mais na solidão da luz que se apaga agora com lentidão - no fundo, fazemos questão de que tudo se vá - que o vento carregue nossas poeiras, nossas lágrimas desavidas - acho que na próxima estação irei deixar minha carteira com tudo dentro - arranjarei uma mala e guardarei para sempre esse monte de lixo que se perdem nas avenidas, e ruas, e praças, e sei que encontrarei cacos de desesperanças e de amor também - e também asas dessas mariposas que agora repousam sobre minha cabeça e se parecem com rugas que me enchem de espanto...

Seguidores