terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Senhor da praça.

Ele baixou os olhos e ficou em silêncio por alguns segundos. Ou horas? Eu é que não sei ser preciso. Estava encolhido, um pouco murcho. Apoiou suas mãos velhas e suja uma sobre a outra, no peito que arfava de leve. Os vira-latas que o seguiam sentaram-se ao seu lado, cada um com a língua de fora. E o tempo passava leve como um redemoinho carregando consigo as águas do passado. Um turbilhão de um instante que de repente se apaga. E nosso silêncio era lapidado lentamente pelo mundo que ainda girava ao nosso redor.
- Toma, meu senhor - disse eu, quebrando aquele silêncio que já me incomodava. - É o pouco que carrego comigo.
Ele ergueu o rosto e pude ver que seus olhos eram miúdos e cansados. Mas havia um brilho que eu não compreendia. Os cachorros se coçavam, de orelhas em pé. Um motorista impaciente businou no semáforo. O tiozinho sorriu pra mim e sua banguela ficou a vista. Seus olhos se umedeceram de repente. Como se uma mão suave afagasse minha cabeça aflita. Mas diante de mim somente a banguela de um homem cujo seu passado eu desconhecia. Seus ombros arcados pelo peso dos anos e da velhice iminente. O que nos separava naquele momento congelado era o ano de nossas vidas. Uma cortina fria atravessou o silêncio das sombras. O sol se escondeu atrás das nuvens. E como é difícil saber que se está olhando para alguém através das sombras. Aproximei-me um pouco de seu rosto com curiosidade, enquanto ele voltava para as moedas. A boca banguela - talvez se a ele houvesse dentes, estes agora brilhariam como luzes refletidas. Assim como o escuro de seus olhos que ardiam sem cobiça. O vento estava frio e as folhas das árvores vacilavam no chão, arrastadas. Na agitação dos passos, ruídos que pareciam das profundezas pareciam ecoar distantes, como se alguma coisas estivesse a nascer. Prestes a acontecer. O quê?
Foi então que eu olhei mais uma vez para aqueles olhos empoeirados. A banguela. O brilho opaco... de um estrela. Até naquilo que pode nos surpreender pode existir a delicadeza brilhante de quem é vivo: felicidade. É com um espanto de banguela que eu me surpreendi que - que o tiozinho também é vivo. E por que não... feliz? Em sua miséria conformada... ou na sua arte de viver? Talvez ele fosse daqueles seres prontos, que bastam existir para ser feliz, como a mais tenra flor que nasce. Como as borboletas. E foi com um espanto maior que ele me olhou, com um sorriso solene, os olhos fulgurando, e me disse:
- Deus te abençõe.

Um comentário:

  1. Acho que essa triste relidade só são bonitas mesmo em crônicas Lê!!!

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