quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Dona Alice

Na rua onde eu moro, vizinha à minha casa, reside uma tiazinha muito simpática no qual a chamamos de "Dona Alice". Hoje eu vi dona Alice caminhando na rua. Lembrei-me de minha infância e de como eu adorava esta senhora. Apesar de manter a distância. Desde pequeno já se adivinhava em mim o meu modo de fugir das pessoas através de uma rudeza delicada no qual eu me acanhava. Marca que até hoje, se olharem em mim com uma lupa, perceberão que a cicatriz ainda continua viva.
Pois bem. Esta tiazinha muito simpática me cativava, mesmo que em raros momentos de contato, como uma avó. Sua casa era o próprio mistério, e minha ousadia maior era de espiá-la, sempre quieto, um pouco tímido, recolhido nas sombras das minhas curiosidades. Também me recordo de quando eu adoecia de gripe e minha mãe, em algumas vezes, recorria as suas "ervas santinhas" e me preparava um chazinho bom à beça. Num pulo eu ficava bom - hoje eu vejo que eu era uma criança faceira - e novamente ia vadiar. Até que eu me surpreendia com a dona Alice varrendo a frente da casa. Ou regando as flores.
Mas houve um dia em que Dona Alice foi embora. E a sua casa escureceu. Uma janela quebrada parecia mais um olho murcho vazando a escuridão. As flores já não cresciam. Não havia mais as suas "ervinhas milagrosas" quando eu adoecia. E os anos se passaram. Cresci. E, infelizmente, os mistérios de minha infância dissolveram-se no passado. Mesmo quando ela voltou, depois de alguns anos, eu já não sentia mais o fascínio. Em mim já não havia mais o delicado encanto que é o da compaixão. Afeição. O mundo é rude e com ele eu me habituei a ficar só.
Porém, hoje eu a vi através das rugas que talham seu rosto. Seus olhos caídos de uma tristeza velha, lágrimas que nunca foram apagadas do canto dos olhos. Subitamente senti a antiga emoção - aquela mão suave que se fecha no coração e que o aquece aos pouco - mas que não tem nome. Mas se sabe que é bom. Mas por parte dela não houve mais respostas. Também ela endureceu. Ou ela sempre fora triste? Talvez eu não tivesse esse mesmo olhar de antes que só agora eu pude ver sua tristeza profunda. A dona Alice de minha meninice é apenas uma foto amarelada. A dona Alice de hoje eu já não reconheço. Ela passa, recolhe-se para sua casa.
Quanto a mim, só me resta esta estranha sensação que se mistura com dor e alegria. O coração quente que é amornado por um aço frio de vez em quando. Não choro, mesmo porque não há motivo.
A isto tudo, eu chamo de Saudade.

2 comentários:

  1. ai leh...q lindo...amei esse texto...\O/
    sem palavras...adorei...
    é por isso q sou tua fã...Nº 1 hein...
    vc escreve mto bem...
    e consegue tocar as pessaos assim...
    PArabens LEh

    bjos..

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  2. Muito linda essa crônica Lê (como todas as suas crônicas é claro), mas... (sei lá pq) me identifiquei muito com essa crônica!!! Amei Lê!!! Vc é d+ !!!

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