quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

ENTÃO, ADEUS!

Seus ombros esbarraram-se entre a multidão que se encontrava aglomerada. E num relance de olhar eles se reconheceram, eles que há tempos encontravam-se perdidos, tempos antigos que revitalizou a lembrança já perdida numa carícia quente. E ali, no meio daquelas pessoas tão distantes à realidade olharam-se fixamente, com um brilho sem espanto e sem glória, límpido, brilhantes como um farol a acenar cheio de saudades e mágoas. A primeiro momento, a moça jogou-se aos seus braços num forte abraço, esquecida de que entre eles havia um passado agora materializado em vagas lembranças, como de sonhos recortados em vitral pelas luzes e sombras da imaginação. Ela pôde sentir a mão grossa do homem afagar-lhe seus cabelos, passando suavemente seus dedos frios pela nuca com doçura. A ele, a dor de revê-la tão subitamente após anos era como se uma faca encostada em seu coração estivesse prestes a cortar-lhe friamente. Até que pressentiu que naquele momento havia uma ameaça de perigo eminente. No cruzamento, os carros que buzinavam paravam. O mundo ao redor congelava-se, virava às avessas, tudo desbotando em cinzas, um silêncio pressentido insuflando-se nos ruído dos passos. O tempo decorria serenamente. Até que de repente de dentro da moça alguma coisa agitou-se bruscamente, saiu do conforto dos braços do homem e novamente se encaravam. Porém, já não havia aquela paz tranqüila e transparente, feito de uma planície sem ventos, onde do céu as nuvens brancas eram como bandeiras imobilizadas no mastro. Nela já não havia a qualidade cristalina anterior no qual se podiam ver seus seixos transparentes. Dois olhos debatendo-se com outro dois olhos – a imperfeita paz. A respiração da moça parara com um grito lancinante. Lembrou-se do passado – como pegar um caderno antigo, as letras miúdas esparramadas em cada linha em tinta preta, páginas borradas pelo tempo, condenadas a uma sentença perigosa. Cada vez mais um nó difícil desatava, uma corda que prendia ambos às suas dores e solidão. Ela fechou os olhos para buscar o amparo que ele já não oferecia. Eles eram águas fluídas de um mesmo leito, caminhos já prontos numa mesma direção, a essência de ambos atraídos como duas metades perfeitas ao mesmo pólo inteiriço, uniforme. Não sabia que era apenas um esboço mal-traçado. Mas havia o perigo de tocar no passado, então ela abriu os olhos cheios de lágrimas. E a ele só restava aquele brusco desassossego que se transformava lentamente numa agonia – tinhas duas mãos e mesmo assim era incapaz de atravessar a noite. Tinha uma boca, mas de seus lábios era impossível dizer palavras brilhantes. “Melhor assim” pensou. Mas os olhos da moça gritavam desesperadamente em súplica. Mas percebeu que o homem, naquele seu branco silêncio, havia um negro diluído na claridade impassível de sua piedade. Piedade – nem a isso a ambos recorriam, com medo de que a piedade seja demais. Mas no final: os sinos solenemente badalavam, os carros buzinavam no cruzamento, as pessoas ao redor moviam-se com pressa. Com a ponta dos dedos, ela enxugou as lágrimas profundas, como a areia brilhante da praia. Ondas do mar em espumas brancas, a maré cobrindo suas mágoas para o fundo de si – e ele virou as costas sem dizer ao menos um Adeus. Ela via-o dissolver-se entre a multidão, já distante de si, de sua realidade, de seus sonhos. Percebeu seus ombros largos lapidados pelo tempo. Uma tinta negra borrou as páginas do caderno velho. Virou à costa também, quase feliz, quase triste. Sozinha. E com a voz calma e baixa, entre os dentes, num sopro sem de ternura e sem mágoa, disse: “Então, adeus!”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores