quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Segunda Carta a Joaquim

5 de Fevereiro.

Caro Joaquim:

Ah que bom que você compreende essa chuva que caí ao avesso. Essa chuva de gotas fatais que se lançam brutalmente e que me ferem com sofreguidão! E eu pergunto Joaquim, eu pergunto: de onde vem essa chuva? Por que tão leve e imprecisa? Então acho que já posso largar a tua mão: você me entende – e por isso também me aceita. Como nos velhos tempos! – Mas quanto eu ser infeliz, eu já te disse que é uma outra espécie de felicidade a minha que eu não sei dizer. Procurei o significado do que sinto em tudo que esteve em meu alcance, mas nada. Eu sou tão feliz como se todos os dias fosse primavera. E em dia de primavera eu também abro minha janela, sinto toda vida em respiração profunda em alegria áspera de um sopro. Esse sopro de vida que fecunda até mesmo o mais rijo coração de um homem que pára diante de si próprio e se cala pela própria grandeza de vida, e então logo desiste... da própria vida. Pois sim: em dia de primavera eu também me dou ao luxo de ir ao riozinho próximo de minha casa e com a mesma cobiça de uma criança entregue ao mundo, eu apenas contemplo em silêncio leve de cristal o murmurar ofegante de tal riozinho, onde os peixes tão pequeninos repousam. E é também em dias de primavera que, ao vento do anoitecer, eu abro meus braços em receptividade à vida. Sei que olhares fugazes me olham por de canto, mas não tenho o pudor de ir apenas vivendo ao meu modo. Quem nunca um dia teve o profundo desejo de gritar ao alto da colina? Aceitar a vida de braços abertos é a minha vingança ao grito que eu também desejei e nunca pude gritar. Sei: não posso aceitar a vida plenamente pelo apelo desesperado de quem quer sempre mais do que a vida (é que talvez no fundo de meu íntimo, o meu desejo quase implorante é de morte. Mas é que a morte é um ritual: uma iniciação a uma nova vida.). Mas o que me resta como o primeiro e único consolo é saber que se está vivendo, de algum modo ou de outro. E que é na própria liberdade da vida é que se pode viver sem ter o Medo – o medo de tocar no âmago, de tocar no escuro ou de apenas florescer nas tardes de verão. O meu próprio modo de vida é ir apenas vivendo. Como um sonâmbulo que apenas vai e vai...

Ah sim: também não posso esquecer que é nos dias de primavera que, quando abro a janela e sinto essa respiração suave que é a vida, posso sentir também a brisa densa mas fresca que tem aquele profundo segredo inatingível e que somente uma palavra pode lhe dar a sensação ou a lembrança do estigma desse segredo: felicidade.

Felicidade é o segredo mais inflexível da vida.

Lembra a ruído de segundos e segundos passando em lentidão de quem espera...

A vida é uma espera.

Entende?

P.S.: Por que não respondeu a minha pergunta se és feliz? Tem medo da definição!? Saiba: eu também tenho. Por isso eu não defino o que sinto ou aquilo que eu não sei, eu só dou pistas ou crio esboços – vagas possibilidades. O que eu preciso saber está bem fundo dentro de mim.

Aguardo uma resposta!

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